quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O juízo final

Na esquina mais empoeirada que havia naquela cidade, lá estava ele. Sim, lá estava o grande mestre das confusões. Uma espécie de Jasse James do século XXI.

Difícil compor uma fisionomia para aquele rosto cheio de rugas e marcas firmadas pelo sol. Mãos calejadas e braços fortes do peso que carregava cotidianamente. Par de botas não mais preto, mas marrom da poeira da estrada. Lá na esquina, lá estava. Mais uma vez as pessoas passavam por ele e baixavam a cabeça. Tinha fama de delinquente, organizava confusões pelos lugares por onde passava. Era odiado por gente de família e venerado pelos foras da lei.

Mas o que fazia ele naquela encruzilhada que dava para o centro da cidade? Tinha mãos calejadas e agora suadas. Seu jeans surrado e camisa com a gola quase em trapos. Coração quase saltando boca afora, ritmado ao seu estado emocional. Assobiava para aguentar a angústia que assolava aquele momento. Na esquina, lá estava ele. Um ônibus, outro também, e nada. Nada de chegar quem ele tanto aguardava. Para quem o avistava de longe sentia pena, piedade daquela alma que fizera tanta atrocidade nesta vida. Custaria pagar tudo que fez ainda na outra. Mas ele sabia que tinha o direito daquilo. Sabia que se firmasse pé naquela esquina, seguiria um caminho diferente. Seguiria o caminho da paz e obediência a Deus e aos homens de bem, assim como sua matriarca o ensinou.

Mais um ônibus, agora o último do dia. Levantou-se do meio fio, onde ficou sentado durante horas e horas e avistou alguém saindo daquele coletivo. Saias longas, sapatos baixos, bustos fartos... Em seguida, um senhor que caminhava com dificuldade; prestou-se a ajudá-lo e assim, uma desculpa para ficar ainda mais próximo do ônibus. Conseguia avistar uma fila de passageiros naquele corredor sem fim. Mas não esperou muito, após descer a sexta pessoa, quem ele tanto aguardava chegou. Um sapato preto brilhante e um tecido azul escuro sobre as pernas. Uma bolsa discreta e humilde. Via-se que ali dentro não havia muita coisa. Figurino ajustado, elegante, apesar de simples e bem cuidado. Sim, chegou quem tanto esperava.

Descia naquela esquina seu irmão mais novo. Quase uma versão sua de tão parecido. Vindo de um lugar distante e próspero. Moço estudado e já com uma profissão em sua carteira. Mas sua vida mudaria dali por diante, assim como a do resto da família. Vindo de longe, trazendo a esperança de uma vida mais tranqüila à sua mãe que moribunda estava angustiando a presença do que restava de sua família em casa e junta.

Um abraço fraterno e um aperto de mão saudoso. Sim, a vida prometia uma segunda chance. Medo, apreensão da perda, mas a compensação de realizar um último pedido de quem o criou e tanto fez para que seguisse seus bons exemplos. Pretendiam seguir o mais rápido possível para sua casa, alguns quilômetros daquela esquina. Fez conforme prometera à sua mãe, e agora desejava partir em paz. Naquela esquina, no chão de terra vermelha, caído diante de seu irmão e de seu juízo final, disse: “- cuide de nossa mãe, ela merece uma segunda chance”.

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